As regras, paixões e metas de Jorge Jesus no Flamengo: ‘Hoje a Libertadores é o foco número um’

Brazil's Flamengo team coach Jorge Jesus gestures during a Copa Libertadores football match against Ecuador's Emelec at the Maracana stadium in Rio de Janeiro, Brazil, on July 31, 2019. (Photo by MAURO PIMENTEL / AFP) (Photo credit should read MAURO PIMENTEL/AFP/Getty Images)

Técnico detalha adaptação ao Brasil, elogia profissionalismo no Flamengo, exalta competitividade do Brasileirão e diz que mudou prioridade para a Copa só após entender desejo do torcedor
Por Marcio Porto e Thiago Rocha

Jorge Jesus ainda conhece pouco do Rio de Janeiro. Após quase dois meses na Cidade Maravilhosa, a vida do treinador português se resume a ir do hotel onde está instalado, na Barra da Tijuca, para o Ninho do Urubu, em Vargem Grande, e do Ninho do Urubu para “casa”. Passa mais tempo no Centro de Treinamento do Flamengo do que no seu atual lar. Sempre almoça no clube. A dedicação é sintoma de duas obsessões: triunfar no futebol brasileiro pelo Rubro-Negro e vencer a CONMEBOL Libertadores.

Nem sempre foi assim. Quando chegou, Jesus pretendia manter a mentalidade europeia de privilegiar a conquista da Liga, no caso o Campeonato Brasileiro. Mas ele admite que tudo mudou depois da emocionante classificação contra o Emelec, no Maracanã. O Flamengo devolveu o 2-0 da ida e avançou às quartas de final com vitória nos pênaltis. Ali, a Nação mudou a cabeça de Jesus.

“Vai me fazer mudar muita coisa. O meu pensamento era o contrário. A Libertadores era muito importante, mas não era o foco número um. Já vi que é o foco número um, e tenho de pensar bem nisso”, afirmou o treinador, em entrevista exclusiva ao CopaLibertadores.com, a primeira desde que chegou ao Brasil e foi apresentado, em 10 de junho.

Multicampeão pelo Benfica, de Portugal, com 11 títulos, Jesus falou por cerca de uma hora e meia sobre os mais variados aspectos de Flamengo, Libertadores, futebol brasileiro, sul-americano e mundial. Acompanhe o bate-papo com o treinador português, que encara o Internacional nas quartas de final da Copa a partir de 21 de agosto, no Maracanã – a volta será no dia 28, no Beira-Rio, em Porto Alegre.

Faz pouco tempo que chegou ao Brasil e o trabalho no Flamengo já é intenso… Já podemos dizer que o senhor é um carioca da gema?
(Risos) Não, não sou carioca da gema. Para ser um carioca da gema tem de conhecer melhor o Brasil. Estou há um mês e meio no Brasil, tenho alguns amigos cariocas e tudo isso tem facilitado a minha adaptação. Como também ter vindo para um clube que tem uma estrutura muito boa, praticamente não me falta nada, eu também estava habituado a estruturas fortes. Tudo está indo de pouco em pouco, semanas a semanas, de forma que fico com mais segurança por todos os pormenores que envolvem tudo e principalmente o Flamengo.

Já deu tempo de conhecer melhor a cidade, os pontos turísticos?
Não, não deu tempo. Meu tempo é de casa para o Flamengo, do Flamengo para casa. Janto fora, nunca almoço fora, almoço na academia. Mesmo fora do Brasil, quando estava em Portugal, o meu trabalho é exatamente esse, entrar cedo no local de trabalho e sair de tarde para ter tempo de organizar toda uma estrutura que não é só quando tu chegas ao treino, tudo tem envolvimento, e eu quero ter todo o envolvimento, estar atento a tudo, estruturar tudo de quem trabalha comigo.

Conseguiu se estruturar para continuar mantendo o hábito de ver vários jogos em casa pela TV?
Não, estou pensando para fazer. Nem para a equipe ainda tive tempo de ter tempo para treinar, treinar as nossas ideias, passar a mensagem que queremos que a equipe conheça, entenda e perceba, que a gente quer, quando tem bola e quando não tem. Processo que não é fácil, e ainda temos uma forma de trabalhar que requer muita concentração, muito treino, a parte defensiva. Ainda não temos nem pouco mais ou menos aquilo que queremos.

Como surgiu a paixão pelo futebol?
Comecei a minha vida, comecei a jogar como todos os meninos, um time que era o Estrela Amadora, time da minha terra. E a partir daí, praticamente foi sempre a minha vida até chegar ao futebol profissional, aos 17 anos. O primeiro contrato que fiz, time da base, o Sporting de Portugal. E fui ao longo dos anos jogando em várias equipes, umas maiores, outras menores, até chegar a oportunidade de começar a trabalhar como treinador. Falta aí, no fim da minha carreira, 35, 36 anos.

Em qual momento dessa trajetória o senhor decidiu se tornar treinador?
Eu, quando jogava, já me preocupava muito com o que uma equipe fazia, o que eu poderia fazer, já pensava muito no futuro, como técnico. Começo a ser treinador com uma situação muito curiosa. No meu fim de carreira, a equipe por qual eu jogava, da terceira divisão, aos 36 anos, jogava contra o Amora. Quando acabou o jogo, o presidente do Amora veio falar comigo e me perguntou se eu queria ser treinador. Treinador? Sou jogador, como quer que eu seja treinador? Ele disse: “Eu estava no banco e percebi que o treinador era você, pelo que você falava com os jogadores”. Assim, aceito o convite e começo a ser treinador.

Já encontrou no Flamengo alguém que exerça algo parecido como essa liderança em campo?
Ainda não tenho, mas normalmente em minhas equipes eu tenho… Normalmente é o capitão, que é a cara da minha equipe, que transmite aos jogadores a ideia do que tem de ser, a do treinador, estou habituado a ter capitães muito fortes, do ponto de vista de liderança do grupo. Às vezes tem capitão da equipe que é jogar a moeda para o alto e escolher o campo onde joga. Isso para mim não é capitão. Para mim exige muita coisa, e ainda não encontrei esse jogador que possa fazer isso dentro de campo. O Diego era um jogador que pensei que poderia fazer, jogador de personalidade muito grande, um líder, um bom profissional, esteve na Europa, conhece uma mentalidade de trabalho um pouco diferente, era para ele que eu estava apontando as minhas baterias. Mas, infelizmente, com a lesão dele, tenho de procurar outro.

Quem foi a inspiração para moldar os seus conceitos como treinador?
Eu já tinha um conceito, uma referência, e naquela altura a minha referência já como jogador, na Europa todos já conhecem, era Johan Cruyff, minha referência como jogador, e começou a treinar com o Barcelona. E aquela equipe da Laranja Mecânica inspirava muita gente, eu era um jovem e me inspirou muito. Passei um mês e meio em Barcelona para fazer estágio com o Cruyff. Como treinador, você tem de ser muito criativo. Eu não leio um livro sobre futebol, um treinador tem de ser criativo. Todos os meus treinos, todas as minhas ideias de jogos, foram elaboradas e pensadas pela minha cabeça. Ao longo desses 30 anos, montei uma metodologia de treino, fui eu que criei. Tenho muitos seguidores na Europa. Eu leio livros de handebol, basquete, futebol americano, vôlei… Futebol? Zero!

De onde tira a criatividade, então?
Da minha cabeça. O treinador tem de ser criativo. O treinador é um artista, como são os jogadores. O jogador nasce com isso, e o treinador também nasce e desenvolve. Hoje em dia é mais fácil ser treinador, porque há mais ferramentas que ajudam a ver melhor o jogo. Se você está no jogo, e não viu alguma coisa, tem uma estrutura para você, você vai ver o jogo de novo, no filme, que para-se ali, para-se aqui. Antigamente era no momento, hoje também.

O senhor incorporou algo de outros esportes em suas equipes?
Eu trouxe para o futebol mundial o bloqueio (um atleta sem a bola usa o corpo para atrapalhar adversários e abrir espaço a outro, com ela, avançar). Trouxe há 15 anos para a Europa, as minhas equipes fazem bloqueio no jogo, depois começou-se a ver vários, e tirei do basquete. Hoje ainda se faz, só que com bloqueios diferentes. Muitas equipes seguem a minha ideia. Há um grande treinador na Europa, Pep Guardiola, que jogou vários jogos comigo e disse: “Se vocês querem saber o que é uma equipe forte e boa defender, olhem o Benfica”. E muitos outros seguiram. Não é à toa que os treinadores portugueses estão espalhados pelo mundo todo, e principalmente na Europa, nas melhores equipes. Os portugueses têm uma metodologia diferente.

Após a vinda do senhor para o futebol brasileiro, concidência ou não, outros europeus fecharam contratos com clubes da América do Sul. De Rossi no Boca Juniors, Juanfran no São Paulo… Ha como explicar esse interesse repentino da Europa?
O futebol sul-americano, principalmente o brasileiro, melhorou muito no aspecto financeiro, paga-se muito melhor. Hoje é mais difícil tu tirares jogadores do Brasil para a Europa, há uns anos atrás não era, apesar que o mercado europeu não há comparação com aquilo que os jogadores e os treinadores ganham. Hoje a minha vinda ao futebol brasileiro despertou muito tudo. Eu sou um treinador muito conhecido por causa das finais europeias, por causa do Benfica. Todos os dias o Flamengo está nas televisões de Portugal, todos os dias o meu nome está.

O que o senhor admira nos jogadores sul-americanos e o que faz com que chamem a atenção dos europeus?
A qualidade e o preço, o valor. Os jogadores sul-americanos, em função do preço, são muito mais acessíveis do que os jogadores europeus, e nós portugueses fomos os primeiros a perceber isso. Viemos ao Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, a buscar talentos, por uns tostões, e depois na Europa vendíamos por milhões, 40, 50, 70 milhões, e os outros passaram a ver também. Se os portugueses fazem isso porque também não vamos buscar lá? (…) Para mim, o brasileiro continua sendo o jogador com mais talento no mundo. Depois, na Europa, é o português, sem dúvidas nenhuma, tanto que as maiores transferências do mundo foram de portugueses ou brasileiros. (…) O jogador argentino é um pouco diferente do brasileiro, é mais tecnicamente evoluido, mais agressivo, mais competitivo. Jogador brasileiro é com talento, mas mais pausado, mais pensador no jogo. São dois estilos completamente diferentes, que se ligam muito bem quando tu tens os mesmos na mesma equipe, e é por isso que no fundo vamos à procura dos jogadores sul-americanos.

Quem foi o melhor sul-americano com quem trabalhou?
Trabalhei com muitos. Di María, Saviola, (Óscar) Tacuara Cardoso… Mas o melhor foi Pablo Aimar. Foi o jogador.

Por quê?
Pablo Aimar… Estava esquecendo também de Nico Gaitán… Pablo Aimar via as coisas à frente. Eu tenho um jogador um pouco parecido na minha equipe, que é o Arrascaeta, como ele. Antes de chegar a bola, o Aimar já sabia o que fazer com ela. O Pablo Aimar jogava de costas, como se pudesse ver. Quando tinha a bola, ele era um pensador de jogo acima do normal.

Consegue escalar uma seleção sul-americana com jogadores que treinou?
Não, não… Assim do momento, não. Um lateral-direito tive o Max (Pereira), da seleção do Uruguai. Dois zagueiros, neste caso, apontava três: Luisão, David Luiz e Garay… Lateral-esquerdo é mais difícil, talvez quem esteve melhor comigo foi um português, mas também o Guilherme Siqueira. Depois, o primeiro volante, não é sul-americano, mas pra mim é o melhor volante do mundo, é o Matic. Talvez o Enzo Perez, argentino. Depois, como segundo, ai teria de ser Pablo Aimar. Rodrigo, que está na seleção da Espanha. Saviola, Dí Maria e Ramires. O goleiro talvez o Julio César, que já foi no fim da carreira dele.

As análises que ouvimos sobre o senhor é que há muita cobrança no trabalho, por intensidade. As cobranças seriam até ásperas demais… Define-se assim?
É exigência. Para chegar em qualquer profissão do mundo, tens de ser exigente contigo e com quem trabalha contigo, mas uma exigência com consciência daquilo que tu estás fazendo, e com o sentimento de tomar decisões, tu tens de mandar. Quando estás dentro de campo, é como líder. Líder também não se faz, nasce. Depois vai se moldando e acontecendo as coisas naturalmente. Dentro de campo, tens de ter muitas vezes uma comunicação mais alta, mais agressiva, porque o momento proporciona isso. No futebol não pode ser “por favor, Arrascaeta, queres se deslocar mais para o lado direito? Por favor, faz isso mais do lado esquerdo”. Isso não existe no futebol! Portanto, tem de ser um pouco agressivo, do ponto de vista da emoção, da paixão, do que é um treinador.

Há uma discussão de que a nova geração de jogadores não está preparada para exigências assim, que é preciso gerenciá-los de outra forma. Concorda?
Concordo. Hoje está mais difícil trabalhar com os jogadores. Tu tens que também não ferir muito a intimidade deles porque não gostam muito. Hoje, essa geração não é a mesma que eu jogava, Essa geração não aceita tanto a cobrança, pelo menos aquela cobrança geral, mais individual eles aceitam e gostam. Tem de saber trabalhar com as gerações diferentes das novas sociedades. As grandes equipes na Europa, onde os jogadores ganham muito dinheiro, é mais difícil. Esses ainda são mais difíceis.

No Flamengo, o senhor proibiu o uso de celulares no horário da refeição. Por que tomou essa medida?
Nós criamos um regulamento. Para mim é igual, não é só para eles. Eu também não posso usar o celular na refeição, não posso chegar tarde, pago multas dobradas em relação a eles. Porque tu estás numa concentração, jantando, almoçando, naquela hora não precisa do celular ali. Sinais, acho que isso é o mínimo. Não faço também sem ter uma opinião deles, como é óbvio. Quando estamos à mesa, é sagrada. Foi sempre aquilo que meus pais deixaram muito claro, seja no centro de treinamento, seja na tua casa, seja na minha. Não tem chapéu na cabeça. Quando estão em casa respeitam o que é uma mesa, aqui também têm de respeitar.

Como tem sido a recepção do elenco a essa metodologia?
O Brasil tem sido uma surpresa. Tu não sabes, mas nós na Europa temos a ideia – eu não tanto, porque já trabalhei com quase 700 jogadores brasileiros – de que o jogador brasileiro não gosta de trabalhar. Que o jogador brasileiro não é bom profissional. Eu vim encontrar no Flamengo tudo ao contrário disso. Uma equipe muito unida, jogadores muito profissionais. Desde que cheguei não teve um jogador que chegasse atrasado. Ninguém é multado, e eu disse assim: bom, o próximo jantar serei eu que vou pagar. Não há multas… Porque as multas são para eles, para fazer jantares, para alguém que esteja com alguma dificuldade… Em Portugal e na Europa a gente faz muito isso, ajudar… Tem um caráter social. Mas aqui ninguém é multado, não há caixa (risos). O Flamengo é uma equipe que tem me surpreendido muito no profissional.

A torcida do Flamengo também o surpreendeu?
Pela paixão. E são muitos. Dizem que são 40 milhões. São muitos, e são muito apaixonados. Mas a paixão é diferente do que ter amor a um clube. Ter amor a um clube tu sofres e morres com ele. Quem tem paixão sofre, mas não morre com ele. Quem tem amor a um clube, o sofrimento do jogador é o mesmo sofrimento do jogador. Quem tem paixão, o sofrimento é só do jogador, e não é do torcedor.

Torcedor do Flamengo é mais apaixonado ou amoroso?
Os que são amorosos sofrem com os jogadores. Os que não são amorosos não sofrem com os jogadores. São só apaixonados. É como no amor. Quando estamos apaixonados por uma mulher, ou por um homem, com a paixão vira tudo. No amor a gente perdoa tudo. Fecha um olho, fecha os dois.

O senhor se considera um apaixonado?
Por?

Pela vida…
Sou apaixonado e tenho um amor muito grande, um respeito muito grande, pelo futebol. Foi o futebol que me deu tudo. Meus pais não nasceram ricos, não nasci num berço d’ouro. Tudo o que tenho foi o futebol que me deu e não admito que ninguém e nenhum jogador possa enganar o que é o futebol.

Isso significa tolerância zero com o que chamamos de “migué” no Brasil.
Exatamente. Ou queres uma coisa ou queres outra. Ou queres uma boa vida ou queres ser profissional de futebol? Se queres uma boa vida, e o futebol ajudar uma vida de balada, como vocês dizem aqui, comigo, não. Comigo não há hipótese. Agora, uma vez? Isso é normal, é um ser humano, é um jovem. Ser apanhado uma vez ou outra numa situação é normal. A gente tem de ir moldando os jovens. Hoje na Europa é mais difícil de existir. O jogador na Europa, se sair à noite, o telefone toca logo. Aqui no Brasil, sai. O Brasil é muito grande, você pode se esconder (risos).

Na opinião do senhor, qual é a melhor equipe da América do Sul atualmente?
De equipe? Apesar de o último campeão da Libertadores ter sido o River (Plate), porque eu vi os jogos, continuo a dizer que os clubes argentinos e brasileiros são os mais fortes, completamente diferenciados em termos de estilos de jogo. As equipes argentinas são mais competitivas.

Fica, então, entre Boca Juniors e River Plate.
É. O Boca está muito forte. Está a investir para ganhar a Libertadores, foi buscar vários jogadores, um dos quais o Salvio, que é um jogador muito caro. Fiquei surpreendido que o Boca Juniors tem capacidade para pagar o que o Salvio ganha, porque foi meu jogador no Benfica e eu sei quanto ganha… Nenhum jogador do Flamengo ganha o que ele ganhava no Benfica. É um indicador, é um sinal, de que o futebol argentino está a começar a ter capacidade financeira para ter grandes jogadores.

Quais recordações o senhor tem de jogos ou finais da Libertadores?
Eu me lembro de várias finais. Lembro daquela que ficou marcada para mim por ter vários garotos, a última Libertadores que o Flamengo… O Flamengo… (risos). Que o Santos ganhou no tempo de Neymar (em 2011). Aquela final eu me lembro perfeitamente, e a forma como eles também brindaram, com entusiasmo de serem vencedores. Não via todas, mas via as eliminatórias quando entrava River ou Boca ou equipes brasileiras. Eu queria ver. Em Portugal, normalmente esses jogos começam à 1h, às 2h da manhã. Não é fácil, a maior parte da audiência portuguesa está a dormir já. Eu via esses jogos todos.

O senhor tentou levar o Gabigol para o Sporting. Agora, trabalhando com ele no Flamengo, o que pensa do atacante?
Agora o conhecendo, ele é melhor do que eu pensava. Tem se aprendido muito. O Gabigol tem umas características de jogador e é um jovem. O Gabigol não vai ficar muito tempo no Flamengo, acho que não vai ficar. Se continuar a jogar nesse nível, futuramente um daqueles clubes na Europa que têm muito dinheiro vai contratar. Ele é um jogador que é muito inteligente, sabe os momentos certos para a procura do espaço para finalização. É um jogador que arrisca muito o jogo dele, tem velocidade. Hoje, como atacante, se não tiveres velocidade, por mais técnica que tenhas, não tens muita capacidade para chegar ao top. Só se fores um centroavante dentro da área que não precisa correr muito e faz muito gols, isso valoriza. Agora, se chegares fora da área, que é a característica do Gabi, é muito agressivo.

O que pensa sobre De Arrascaeta, que foi um dos grandes investimentos do Flamengo para a temporada e chegou a ser criticado por não render o que se esperava em algumas partidas?
Você começa a conhecer o atleta quando começas a trabalhar com ele. A contratação, em termos dimensionais para ele, fez algo nele, não sei, de que não jogou o mesmo que jogou no Cruzeiro. Mas comigo, não. O segundo ou terceiro jogo que ele fez comigo foi contra o Goiás (pelo Brasileirão), e ele jogou demais. Fez três gols e esteve nos outros gols todos. Se jogar todos os jogos assim, é jogador de todas as galáxias. (…) Fez uma recuperação espetacular. É outro grande profissional. Se precisar chega às 8 da manhã e vai embora às 10 da noite para fazer toda a recuperação. Grande profissional. Tem um talento que surpreende. É um jogador que pensa antecipadamente no que vai fazer ou pensa mais rápido que os outros. Eu posso fazer dele um segundo avançado, mas rende mais nas bandas. Ele não está muito bem trabalhado para jogar de costas, tem alguma dificuldade ainda para jogar de costas. Com o tempo pode ser que sim, porque jogar de costas não é para todos, e ele gosta mais de jogar pela esquerda porque quando recebe a bola fica mais virado para o jogo. Pode fazer muito bem essa posição porque tem gol. Dependendo da necessidade da equipe vamos tentar valorizá-lo melhor.

Qual avaliação o senhor faz sobre o Internacional, adversário do Flamengo nas quartas de final da Libertadores, e sobre o trabalho de Odair Hellmann?
Eu vejo o Inter como uma equipe bem estruturada, com uma ideia de jogo bonita. Não o conheço pessoalmente (Odair), agora já sei quem é, vejo os jogos do Internacional. Não tenho muita aproximação com treinadores brasileiros. Eu me dou bem com o Leão, Abel Braga… Quem mais? Luxemburgo, me encontro muito com ele. Sou muito amigo dos dois irmãos Chamusca (Marcelo e Péricles), me dou muito bem com o treinador do Corinthians (Fabio Carille), estive com ele na Arábia Saudita, já jantei com ele algumas vezes no Brasil. É muito simpático. Quando fomos jogar no Equador, ficamos no CT do Corinthians. Em Portugal, isso é impossível de acontecer. O Corinthians abriu as portas para fazermos a nossa preparação. Em Portugal, o Benfica não abre as portas para o Sporting, e o Sporting não abre as portas para o Benfica…

Jà aprendeu a cantar o hino do Flamengo?
Não. Nem o hino do Flamengo nem o hino do Brasil. Ainda não procurei.

Nenhum grito de torcida?
Sei o refrão, Flamengo até a morte… Sei um bocadinho, mas ainda não procurei. Vou aprender. Estou aqui há um mês e meio, tenho outras prioridades. Se eu começar a colocar muita coisa na cabeça…

Pelé ou Maradona?
Vi Pelé jogar em vídeo. Vi quando era menino, um Santos x Benfica, 5 a 2 no Estádio da Luz. Chovia… Eu devia ter 13, 14 anos. Foi a primeira vez que vi Pelé. Ele jogava no Brasil, antigamente não tinha essa comunicação que há hoje. A gente só sabia que o Brasil existia porque era um país irmão, Pedro Álvares Cabral era o descobridor do Brasil e tal, a nossa história faz parte do Brasil. Agora, Maradona eu já vi. Lembro daquele Mundial com a equipe Pelé, Tostão, Jairzinho, Clodoaldo e o canhoto, Rivellino. Gerson eu não lembro… Lembro do Pelé, mas só o vi jogar daquela vez. Maradona é o máximo. Se me perguntar entre Maradona e Messi quem é o melhor, esses eu vi os dois. Para mim, Maradona.

Cristiano Ronaldo ou Messi?
Diferentes. Se tivesse a inteligência de juntar os dois, ninguém os ganharia. Mas fazem os dois a mesma coisa com estilos diferentes. Para mim, o melhor é Ronaldo. Mas Messi, para quem vê, é mais artista. O Ronaldo não precisa driblar um ou dois para fazer o gol. Ronaldo precisa de uma oportunidade para fazr gol, tanto que é o maior artilheiro do futebol mundial, faz muito gol. Messi é mais criador do que Ronaldo, mas o Ronaldo é um finalizador, e nesse momento o Ronaldo deveria ser o exemplo de jogador para todo mundo. Todo menino que quiser ser jogador de futebol devia ter o exemplo do que é ser profissional de futebol. Ronaldo nasceu para jogar, vive pelo futebol, prepara-se para o futebol. Profissional exemplar. Também tem as suas maluquices, como todos têm, mas isso quando está em férias. Em casa tem ginásio, campo para treinar, ele só pensa em se valorizar. Ele está com 34 anos, vai jogar mais 3, 4 anos. O Messi não vai chegar aí.

Dá tempo de o Cristiano Ronaldo jogar uma Libertadores, então.
Se ele quiser vir para o Flamengo… (risos).

Defina Libertadores em uma palavra.
Vencê-la. Foi o meu chip quando apareceu essa oportunidade no Flamengo. Sim, Flamengo. Por quê? Libertadores. Foi esse desafio.

Já entendeu a obsessão que o torcedor rubro-negro tem pela Libertadores, um título que não conquista há quase 40 anos?
Depois de chegar aqui eu entendi. Antes, não entendia. Achava que para eles o mais importante era o campeonato (Brasileirão). Porque na Europa, como disse, na minha formação, o principal é ser campeão do seu país. Aqui, não. Aqui é a Libertadores. Agora, depois dessa eliminatória (com o Emelec) é que percebi isso. Nós europeus tratamos o campeonato nacional em primeiro lugar. Depois vem a Champions… Só há dois clubes que podem vencer a Champions sempre: Real Madrid e Barcelona. Nos últimos 15 anos, um deles sempre é semifinalista. Tenho essa cultura. O Campeonato Brasileiro me apaixona, é muito difícil. Na Europa não se tem noção do que é o Brasileirão, muito competitivo, muito difícil. As equipes vão perder mais, o Flamengo vai perder mais jogos.

Fez o senhor mudar o foco do trabalho?
Vai me fazer mudar muita coisa. O meu pensamento era o contrário. A Libertadores era muito importante, mas não era o foco número 1. Já vi que é o foco número 1, e tenho de pensar bem nisso.

Fonte: Conmebol.com

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