Clubes devem faturar mais com patrocínio de apostas do que com a Caixa, dizem especialistas

SÃO PAULO – A regulamentação dos sites de apostas esportivas no Brasil, projetada para ocorrer até o final do ano, deve gerar uma receita extra aos clubes que representa mais do que a Caixa Federal investia no futebol. Com a lei 13.756, sancionada no ano passado pelo ex-presidente Michel Temer, as equipes têm a ganhar em duas frentes: com patrocínios do setor e em porcentagem sobre o volume de apostas.

Com a chegada dos sites internacionais de apostas ao país, é esperado que, em pouco tempo, essas empresas se tornem as principais investidoras nas camisas dos times da Série A do Brasileirão. No momento, 11 dos 20 times da elite já contam com aportes financeiros dessas empresas. Outra forma de ganho está garantida na lei, que prevê que 2% da movimentação das apostas seja destinada aos clubes.

Segundo projeções de advogados especialistas no tema, a pedido de O GLOBO, essas duas frentes representam mais de R$ 300 milhões ao futebol.

— O potencial de patrocínio é maior do que a Caixa Econômica Federal investia no futebol. Pego como base o valor dos patrocínios na Premier League e faço uma extrapolação para o mercado brasileiro. Minha estimativa é de mais ou menos R$ 224 milhões — afirma Luiz Felipe Maia, advogado especialista em regulação de jogos pela Universidade de Las Vegas.

Como forma de comparação, a Caixa, que deixou de apoiar o esporte neste ano, desembolsou R$ 127,8 milhões em aportes para 25 clubes, das Séries A, B e C em 2018.

Maior mercado de apostas esportivas do mundo, o Reino Unido movimenta US$ 3 bilhões por ano no setor. Entre os 20 clubes que disputam a Premier League, divisão de elite do Campeonato Inglês, dez contam com sites de apostas como patrocinador máster de camisa.

Para Pedro Trengrouse, vice-presidente da Comissão Especial de Direito de Jogos Esportivos, Lotéricos e de Entretenimento do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, apenas a primeira divisão pode conquistar patrocínios com montante maior do que tudo o que a Caixa gastava com futebol, em times das três principais divisões do país.

— Se todos os clubes da série A tiverem um site (de apostas) como patrocinador máster, o que certamente só poderá ocorrer com a devida regulamentação, o valor que se poderia arrecadar supera R$ 150 milhões por ano —projeta Trengrouse.

O advogado lembra que há outras frentes de ganhos aos clubes com a lei que permite a exploração de apostas esportivas no Brasil.

— É importante ressaltar que a lei prevê a destinação de 2% do movimento das apostas para os clubes de futebol. Isso hoje representaria R$ 80 milhões por ano — afirma Trengrouse.

Para Maia, é preciso uma correção na lei, já que ela prevê apenas a remuneração dos clubes de futebol por uso de imagem nos sites de apostas.

—Hoje, só o futebol é remunerado pela lei. Ou seja, apostas no NBB (Novo Basquete Brasil), por exemplo, vão gerar receita apenas para o futebol. É um ajuste que será preciso fazer na lei — explica Maia.

Regulamentação da lei
Há três semanas, o Ministério da Economia, que irá regulamentar a lei, lançou uma consulta pública sobre o tema. Até o final do mês, sites de apostas, entidades esportivas e apostadores poderão dar sugestões sobre regras a serem seguidas no país.

O governo federal irá receber as propostas, estudá-las e espera lançar a regulamentação até novembro. Algumas decisões importantes precisarão ser tomadas. Uma delas é sobre o sistema a ser seguido no país: permissão ou concessão.

No primeiro caso, há livre atuação das empresas no país, bastando seguir as regras estabelecidas pela legislação. Já no segundo, o Estado é quem irá outorgar a concessão para explorar as apostas no país. Essa concessão funcionaria por dez a 15 anos e limitaria o número de empresas aptas a atuar.

— A permissão me parece o modelo mais adequado, principalmente em razão do dinamismo do mercado — afirma Trengrouse.

—Sou completamente contrário a limitar o número de empresas, sem ter experiência com o mercado no Brasil. A gente não tem ideia se o número de sites que quer atuar é cinco, dez ou 50. Então, não pode engessar — defende Maia.

Outro ponto crítico na legislação é como vai funcionar a tributação. Os advogados defendem que o imposto seja cobrado sobre arrecadação bruta menos prêmios pagos e não sobre a receita total das empresas.

— O melhor regime é o que maximiza receitas do Estado com o desenvolvimento pleno da iniciativa privada. No jogo online, o desafio é canalizar o movimento de apostas ilegais para operadores devidamente licenciados. Há estudos indicando que a tributação de 20% sobre Gross Gaming Revenue (GGR), arrecadação bruta menos prêmios pagos, permite que o mercado regulado se aproprie de pelo menos 90% do movimento ilegal de jogo — afirma Trengrouse.

O advogado cita o Instituto de Comércio e Economia de Dusseldorf (Alemanha), que elegeu o Reino Unido como o melhor modelo tributário para jogos online, com imposto de 15% sobre GGR e canalização de 95% do mercado de apostas. Também há exemplos ruins no mundo.

— O mercado português é um bom exemplo do que não fazer. Portugal criou um processo de licença tão burocrático e caro, que poucas empresas vão para lá. Se você abrir o mercado com tributação muito alta, ninguém vem — comenta Maia.

O modelo português estabeleceu imposto de 8% sobre o faturamento bruto, afastando o interesse das empresas em atuar no país.

— Isso conseguiu canalizar para o mercado regulado apenas 38% das apostas ilegais. E, como o jogo ilegal não paga impostos, a consequência é que 62% continua sem controle nem tributação — comenta Trengrouse.

Fonte: Globo.com

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